Estigmas

Os peixes que andam em cardume procuram se proteger dos predadores nadando todos em conjunto, em bloco. Assim, eles têm uma sensação de segurança, sugerem que se protegem uns aos outros, principalmente os que andam (nadam) ali pelo meio. Longe das bordas estariam seguros, contudo, em contrapartida, isso lhes tira a liberdade de locomoção: tem-se de caminhar na mesma direção dos demais. Quem tem alguma espécie de estigma, por seu lado, não pode desfrutar desta companhia coletiva, não lhe é permitido se aproximar, ninguém aceita a presença deste “invasor” mau vindo. Por este motivo, se a pessoa sofre algum tipo de restrição social, por conta do estigma, tende a esconder este fato, justamente para se proteger dos ataques dos predadores andando na companhia dos seus semelhantes e, de preferência, no meio, como o fazem, exatamente, os peixes em cardume. Contudo, questiona-se, e a liberdade de andar em seus próprios caminhos, como fica? O preço da falta de escolha que se paga não é muito alto? É preciso, em um primeiro momento, entender o estigma que foi colocado no peixe manchado pelos demais e, inclusive, por si próprio, para tentar se libertar desta clausura emocional. De início, tenho que há diversos tipos de estigmas, das mais variadas ordens, a exemplo do negro, do gordo, do homossexual, do portador de câncer, daquele que contraiu o novo corona vírus, do portador de HIV, do acusado de roubo, de crime, do suspeito de corrupção, de pedofilia, do deficiente físico, do alienado mental, isso quando os acumula, além de outros muito específicos de comunidades particulares, como o índio que a abandonou sua tribo, o que traiu sua religião ou foi expulso dela por não se comportar sob suas regras como o padre que abandona a batina, o afastado do cargo político, o juiz que é aposentado por punição, e assim segue uma gama enorme de estigmas ligados a preconceitos, a desvios morais, religiosos e de outras naturezas. Eu penso que adquirir autonomia perante a opinião dos outros é o melhor remédio, pois, embora vivamos em sociedade, não é possível se esquivar do julgamento das pessoas e, nem por isso, deve-se ser condenado a abrigar- se no meio do cardume e seguir numa trajetória diversa dos seus anseios, privar-se de desejos e projetos individuais, porque entendo que todo estigma é, de plano, injusto, posto que retira da vítima a possibilidade de se defender, a exclui e a segrega, sendo que a ninguém é dado o direito de acusar, principalmente se não se sabe das razões pelas quais o fato se deu e como. Ninguém é melhor que ninguém. Esta é a grande verdade. Sei que não é fácil abaixar o escudo e receber na cara o cuspe da rejeição, sentir a frieza de ser ignorado inclusive pela própria família e pela comunidade a que pertence, ser atropelado mesmo diante do carro na contramão, ser difamado pelos próprios convivas. Mas é importante constatar, também, que ninguém está livre de estigmas, seja pela orientação sexual, religiosa, cor, peso, altura, qualquer desvio do que se entende por “normal”, opções tidas por bizarras por quem se acha no direito de rotular comportamentos tidos por “corretos”. Nem é preciso devolver a ofensa a quem, por ignorância, agride o outro pelo estigma que este carrega e cuja culpabilidade se atribui ao estigmatizado. O mais importante é se fortalecer e retirar esta marca que existe dentro de si e que lhe foi imposta à revelia e segue indelevelmente vida afora. Não se pode aceitar que o estigma lhe obste de seu caminho e de seus anseios, desaconselhável acatar que a opinião do outro e/ou de algum grupo de pessoas prevaleça sobre a que você tem de si. O estigma não pode e nem deve resistir à ideia que você faz de sua autoimagem e que no fundo não coaduna com aquela prejudicada pelo preconceito alheio. Esta atitude sim, é a pior de todas, porque se algo lhe foi colocado por fatores externos, é sua a incumbência de não deixar fincar raízes tão profundas e criar cicatrizes que sejam difíceis ou não possam ser extirpadas da sua alma. A liberdade é o seu melhor prêmio. Viver livre de tais amarras e trilhar uma vida autêntica não tem preço, nem mesmo esta proteção que se busca ao andar no meio do cardume, porque deste modo você esconde de si e dos outros algo que lhe retira a alegria de experimentar a exclusividade de ser único que lhe fora atribuída, faculdade que lhe foi dada para que fosse exercida como indistinto sujeito dela que é você e não dos outros e demais peixes ao seu redor. Ainda que se tenha em mente a lição dada por Jesus quando pediu para que aquele que não tivesse nenhum pecado atirasse a primeira pedra em Maria Madalena, deixamo-nos ficar como alvo do julgamento alheio e aceitamos as pedras que nos atiram ao invés de nos esquivarmos delas, ou ainda pior: juntamo-nos à multidão dos atiradores e engrossamos a fila dos agressores, mesmo tendo, em alguns casos, o mesmo estigma daqueles apedrejados ela sociedade. A Genny que leva as pedradas é a mesma cujo marido perfeito procura para se aliviar da esposa rabugenta ou abstêmia sexualmente. A hipocrisia é a maior característica do atirador de pedras. Seja forte. Livre-se da acusação que permeia sua consciência, reconheça que lha impuseram e de algum modo, você a aceitou. Saia do meio deste povo. O tubarão também segue o cardume e sua boca enorme abarca quase a totalidade dos peixes, principalmente os que estão ali no centro e, por ironia, os que nadam mais na beirada, às vezes, são justamente os que têm mais sorte de sobreviver. Pense nisso.


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